Wednesday, August 24, 2005

Perdi noção do tempo.
Perdi noção do tempo que passei em pé, em frente da parede húmida, áspera e decadente.
No escuro encarei a parede que nunca vira, mas que sabia estar lá, podia tocar-lhe, sentir-lhe o cheiro a mofo… até na boca.
A princípio julguei que ouvia o silêncio, a princípio só ouvia o silêncio, mais tarde, de tanto fitar a parede comecei por ouvir aquilo que não eram mais que palavras soltas, mais tarde frases e com o passar do tempo as conversas tornavam aquele lugar ensurdecedor, quase que me levaram à loucura quando finalmente entendi que aquelas vozes estavam todas em mim . Não vinham da parede, não existiam ao meu redor, eram ideias que tinham nascido, existiam por eu estar ali, frente à parede nua.
Com o tempo também aprendi a controlar as vozes.
Com o tempo deixei de sentir o meu corpo, primeiro as pernas, depois os braços e por fim todo o corpo, deixei de saber se era eu quem esperava ali, inerte, a queda da parede.
Com o tempo perdi a noção do tempo e no tempo perdido eu já não me sabia encontrar.
Das vozes ensurdecedoras só já existia um murmúrio, dizia baixinho, como que com medo da oponente parede, que ninguém chagaria para a derrubar, que o tempo continuaria a passar e eu ali ficaria, inerte, à espera.
O que era um murmúrio transformou-se numa ladainha e, de novo, quase enlouqueci.
Certa vez, numa dessas vezes em que quase enlouquecia, senti uma picada, no escuro não soube dizer o que tinha sido, se animal ou coisa me tinha atingido, sei que essa picada salvou meu corpo que dormia há muito e gritei de dor.
Com esse grito a parede abriu uma pequena fenda, que eu não vi porque estava escuro mas senti na solidez da parede. Ao aperceber-se deste fenómeno a ladainha cessou.
Tudo ficou calmo por um instante que eu não sei se foi curto ou comprido porque não sabia mais que tempo era. Esse instante foi como o fechar dum ciclo. A voz que outrora me enlouquecera, dizia-me agora que era possível deitar abaixo a parede, a inércia a que me haviam condenado estava prestes a acabar.. talvez se eu gritasse mais um pouco…
A princípio duvidei, como seria possível?
Porém, antes que o ciclo que se iniciasse me levasse de novo a fitar a parede, dei um passo em frente ( quase bati na parede), estendi a mão e senti, de novo, no escuro a fenda, rodeei-a com as mãos, encostei os lábios às mãos e um som tímido, quase inaudível fez frente à imponente parede. Perdi a noção ao tempo que este som levou a tomar forma de grito, o tempo que demorou a embrenhar-se na fenda da parede, o tempo que levou a encontrar um caminho até ao outro lado, a difundir-se, a alastrar-se a todas as fundações da esmagadora parede.
Perdi o tempo ao tempo que gritei, até que por fim, um grito que outrora fora surdo, dividiu a parede em mil bocados e, em tempo nenhum a parede caiu e um luz imensa encheu a divisão.
Foi-me difícil abrir os olhos ao principio, mas pouco tempo depois habituaram-se à claridade e pude finalmente ver do que a parede me separava.
Abri mais os olhos de espanto.
De costas para a parede derrubada fitei, esmagada pela crueldade das evidências, que outra parede me fitava, intacta, forte e áspera como a que derrubara.
Perdi noção do tempo que me permiti a olhá-la, de pé, parada, até sentir o torpor a que o meu corpo se subjugava, até ouvir nada mais que silêncio.
Perdi noção do tempo e deixei-me ficar.

Há sempre mais paredes a derrubar.

1 Comments:

Blogger Utopy said...

Lindo! Palavras não chegam para mostrar a beleza desse texto e o quanto ele significa para mim.
Tantas paredes já me derrubaram...
Me deixaram inertes perante a sua firmeza e frieza. Eu apenas me contentava ao observá-las. De corpo mole e coração frio eu ia-me deixando ficar. Eu, o silêncio e o tempo...os meus confidentes. Tanto ou tão pouco foi o tempo que passou...que as minhas lágrimas secaram, os sonhos desfizeram-se, a força não retornava. Era eu e o nada que nos enlouquece...e o pior é que este nada quase me venceu. Mas foi por ver que estava a ser derrotada pela dor, e pela frieza de uma parede estática, que me censurava e me prendia os movimentos que eu encontrei de novo a coragem. Ergui o meu corpo só, a minha mente vazia voltou a ganhar vida e gritei...de dor, de raiva, de desespero, de medo, da solidão. Gritei com todas as minhas forças e travei uma luta de uma grandeza tamanha contra a parede que me tinha derrubada, mas desta vez eu venci. Voltou o sol, a luz, o calor. Voltaram os sentimentos perdidos no meio de tanta escuridão. Eu tinha ultrapassado uma fase da minha e saí vitoriosa. Sentia-me bem comigo, com os outros e até com a parede que me havia derrubado. Contudo, uns metros mais à frente na minha vida eu encontrei outra parede. Essa também me quis derrubar...e o pior é que o conseguiu. Mas mesmo perdida de novo no tempo, na escuridão e no silêncio, as forças ficaram e foi mais uma parede que ruiu.
Eu sei que ainda tenho muitas paredes e muros para me censurar, oprimir, derrubar ao longo deste longo caminho a que chamamos (não sei ao certo porquê) vida. Mas sei que se consegui vencer a primeira, mais cedo ou mais irei vencer estas. Não sei quanto tempo vou demorar a derrubá-las. Mas no fundo fico contente por saber que são fases da vida ultrapassadas. Que novas eu aprendi e que com elas cresci...e ao ver a nova parede sei que muito mais tenho que lutar e que muito mais eu vou crescer e aprender.

Bejus gds gds
Tamote

1:58 PM PDT

 

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