Monday, October 24, 2005

Imagem


És um tudo, reflectido num nada, que procura um alguém.
Um alguém que se julgava encontrado, mas que te devolvia aos dias em branco.
Que te devolvia à apatia.
Ao sem sabor de um tempo…de uma vida.
Às mil e uma histórias inventadas aos poucos.
Um tudo que se molda aos dias, aos humores.
Um nada que se sente, se confunde, se prende, perdida.
Um alguém que te aprisiona. Do qual te queres soltar.
Um alguém imaginário…
Um tudo que tu gostavas de ser…um tudo que és. Mesmo que partida em pedaços…estilhaçada.
Atropelada pelo tempo, medo, ânsia, nessa estrada que é a vida.
Um nada que se entrega aos dias cinzentos.
Mais um alguém que se cruza.
És um tudo, reflectido num nada, que procura um alguém.
Revês-te nos dias que passam, nos sorrisos nas lágrimas dos outros. De todos os outros.
E tu?
Um ser que ninguém liga, invisível aos olhos dos outros. Um nada que te abraça, te envolve, aperta, censura.
És um tudo e um nada.
Um ser que se esconde debaixo da casca, frágil. Uma segunda pele, uma máscara.
Um tudo repleto de todas as coisas, que foste, queres ser e serás.
Um nada que usa o tudo como escudo, como fortaleza perante a impiedosa frieza dos dias, das gentes, da vida. Como armadura que nos compõem quando partimos para a luta. Para a busca do alguém.
Um tudo e um nada sozinhos. Que acordam no frio do quarto sem ninguém para aconchegar. Pois nada mudou.
Continuas sempre assim.
Rodeada de cores, de pessoas, de sons, de cheiros, de ninguém.
Atropelas o tempo, andado por aí, olhando, observando. Tentando perceber quem és. Como te mostras.
Falas sem saber com quem, ou para quem. Falas por falar, olhas por olhar. Misturas o sorriso com lágrimas.
És a fortaleza de vidro.
A fragilidade e melancolia rodeiam-te.
Prende-te a saudade o desejo.
Mostras-te como todos te querem ver, escondendo pedaços teus. Desvendando por vezes um pedaço íntimo teu.
Dás tudo de ti…e no fim, nada muda.
És um tudo, reflectido num nada, que procura um alguém.

Thursday, October 20, 2005

Apocalipse Nau


Até que um dia dás por ti a falar contigo não apenas porque te ajuda a pensar. Dás contigo a falar contigo porque gostas de te ouvir. Porque a tua voz te acaricia. Porque a tua voz, ao contrário da das outras pessoas, da minha, por exemplo, te agrada e, sobretudo, te diz as coisas que queres ouvir.

________________________________________________________

É um clássico: como se pode bater em alguém que se autoflagela antes mesmo que possamos erguer a mão? A resposta é: não se pode. Naturalmente, isto levanta uma interessante questão teórica: será que os que se autoflagelam sistematicamente não o fazem senão para evitar uma punição maior? Estilo sofrer para evitar sofrer?

________________________________________________________


Definição de paixão: quando uma pessoa, por algo que é obviamente apenas do seu interesse presente, empenha o futuro.

________________________________________________________

As pessoas pensam que o amor dura para sempre. Enganam-se. Nada dura para sempre. Não há amor eterno. Não nego que Julieta e Romeu morreram de amor, prometendo amar-se para todo o sempre, mas se tivessem continuado vivos tinham-se divorciado ao fim de cinco anos, sobretudo se tivessem gerado uma ou duas crianças.

________________________________________________________

«Amo-te» são cinco letras e um hífen, qualquer um tem acesso a elas, não se trata propriamente da chave de um código secreto ao qual só o presidente e o ministro da defesa têm acesso. «Amo-te», diz o chulo à provinciana que quer pôr a trabalhar para si. «Amo-te», diz a actriz para o actor que detesta, numa cena de cálida paixão. «Amo-te», diz o marido indiferente à mulher a quem deixou de amar à doze anos. «Amo-te», diz a sedutora ao seduzido. É uma palavra fácil, que pousa em qualquer boca, recitada de cor, com displicência, ou com fervor quase místico. Está gasta, mas não há melhor. Desperdiçam tanto dinheiro em pesquisas inúteis, bem podiam investir algum na procura de uma alternativa a «amo-te». Cientistas de máscara protectora mexendo em instrumentos delicados, recorrendo à tecnologia mais avançada para encontrar a palavra certa para cada um, uma palavra melhor, mais forte, mais sincera, à prova de hipocrisias e fingimentos. «Amo-te». Kgjwytdc-te.”


Apocalipse Nau - Rui Zink

Tuesday, October 11, 2005

Só mais um começo


Porquê? Não sei! Reviravolta. Algo novo que se começa a instalar. Inexplicável a coisa que se apoderou de mim. Bom? De certeza. Um novo desejo que apareceu sem razão. Um novo ser que nasce em mim. Sem motivo, sem porquês, sem razões. Um sim porque sim. Sem mais nada. Algo estúpido (estranho/bom) que avivou um sorriso, que deu um novo brilho ao olhar…que trouxe as borboletinhas à barriga…mais uma vez. Porquê? Não sei!
“Eu não sei o que quero e é por isso que eu procuro.”
E a história repete-se. O medo, a confusão. Os porquês sem resposta que arranjamos ao longo da vida, sempre ansiando por um fim que não aparece. E de novos mais porquês, e mais respostas confusas, baralhadas, sem conclusões finais. E todos os dias acordam com sentimentos trocados, confusos, esquecidos, apagados, reanimados e lembras-te: “É só mais um começo.”


“Estamos de volta ao teu bom humor
Sempre essa ideia na mente
É para lembrar o motivo
É que hoje eu sinto-me vivo
E seja porque motivo for
(...)
Sempre na mira de um bom amor
Guarda essa ideia na mente
E esquece qualquer aviso
Um dia sendo preciso
Voltas para que desejo for
(...)
Vamos levando até quando for desejo do desejo
Vai dizendo hoje eu vejo que amanhã é a maior mentira
Eu não sei o que eu quero e é por isso que eu procuro”

(Pluto – É só mais um começo)